Escreves como se ninguém fosse ler. É giro não ter essa responsabilidade, gritar como quem sussurra. Pena que não te aches maior, pelo menos maior que o nada que pensas afectar. O impacto do que dizemos acaba por sair de fininho, como se nada fosse. Mas não te esqueças do que és e do que serás. Para mim não há nada mais importante que a marca que se deixa, aquela que não se pode apagar por mais vezes que lhe passes o pano. Não sou indiferente às tuas falhas, as minhas concepções. Nada apago e ainda assim pouco ficou. De resto acontece-me vezes de mais. Penso futuros inexistentes por demasiadas razões. Vários deles incompatíveis, mas é assim que se sonha e se pensa o Mundo. Não deixo de querer voltar e mudar o rumo, nem sempre como tu imaginas, mas por vezes até sim.

Errais

- Quem sois vós minha dama?
Perguntava ele entre risos.
- Sou aquela que vos ama.
Dizia ela sem sorrisos.

- Sendo assim vos pergunto eu
Que vontade vos empurra?
- Certamente que o sei meu.
Responde ela casmurra.

- Tanta certeza minha senhora
Não estareis equivocada?
- Pois que não meu amor
Sou mesmo eu a tua amada.

- Mau! Que raio de ego.
Então dizeis que não sei ver?
- Digo apenas que estais cego
Ainda que aches tudo saber.



- Ignoro do que falais
Com essa confiança.
Mas já que agora não vos calais
Mostrai-me donde vem essa cagança.

- Pois que sei que não sentis
O que verdadeiramente vos assola
Calais, vocifrais consentis
Mas sabeis que o meu amor não é esmola

Saber-vos-ás meu quando o inverno da vida chegar
Quando o brilho ofuscante do verão passar
Quando a carne e o sangue e o calor não bastar
Ainda que tenhais tudo aquilo em que podeis pensar

Mas a mim por quem agora sentis desprezo
Nem fúria nem fogo nem estrondo nem medo
Nada! Vos digo nada! Me fará voltar
Ainda que vos saiba orgulhoso, carinhoso e ansioso por me amar.

Fim

… tem alunos de cá, alunos de fora, alunos de além mar. Tem quem goste de Lisboa e quem goste de voltar a casa. Tem meninos do Bairro Alto e meninas da Kapital. Tem os craques do futebol e o pessoal da Gulbenkian. Tem o pessoal da Associação e o pessoal do contra. Tem os meninos e as meninas bonitas. Tem a maltinha alternativa. Tem quem venha a todas as aulas e quem não venha a nenhuma. Tem faladores inveterados e quem não abra a boca por nada. Tem os fumadores de última hora, os stressados e os marrões. Tem os juristas de segunda e terceira geração e os ilustres desconhecidos.

... tem tambêm o pessoal lambe-botas, intriguista e mesquinho. Tem quem julgue os outros sem os conhecer. Quem se ache omnisapiente sem nunca ter lido um livro que seja. Quem se acomode no status quo como político numa empresa pública. Tem aqueles que acham que o mundo e o país são cor-de-rosa. Tem quem saiba que não são e ainda bem para eles. Tem os políticos de segunda. Tem os cábulas puritanos que nunca o admitem.

... e não são só os alunos. A maior contribuição para o falhanço desta faculdade são os professores. Pessoas sem uma visão de futuro, sem a vontade de mudar as coisas. Uma escola criadora de juristas máquinas, conformados e incapazes de pensar fora dos modelos existentes. Uma escola que se tornou exclusivista, que não apostou em formar para o futuro. Uma escola que não apela á formação cívica e que não apoia movimentos fora do estipulado. Uma escola em que os órgãos são puramente inoperacionais, regida por objectivos insondáveis. Uma escola que não inova, não renova e que de Nova só tem o nome.

Insatisfeito

Já não sinto aquela chama
A minha boca mente
Diz que te ama
Mas o coração não sente

Afasto-me como sempre fiz
Deixo a situação andar.
Não que esteja feliz
Mas é sempre melhor calar.

Sei que hei-de aprender
Um dia quando alguém
Me fizer não só sofrer,
Mas morrer um pouco, também

Ridotto alla condizione umana

Sono stanco di non sentire
ho voglia d’esistere,
di essere uno
di essere io

sono schiavo della mala fortuna
della vita normale
usuale e banale
tropo sentimentale

mi manchi oggi e sempre
e questo non è una bugia
senza te sono decadente
nella mancanza della tua magia

Momentos

A definição daquilo que somos centra-se não nos nossos actos mas nas memórias que estes provocam naqueles que nos são próximos. Esta realidade pode levar a uma de duas consequências: ou nos fazemos passar por algo que não somos e confundimos profundamente os nossos amigos; ou somos fieis á nossa personalidade. O primeiro tipo de comportamento resulta bem a curto prazo, mas só o segundo assegura uma contínua relação de conhecimento mútuo que por fim define a nossa própria personalidade. Sem uma relação de total honestidade intelectual o reconhecimento futuro dos nossos actos é reduzível a nada.

Existem momentos em que já nada é escondível, mas apenas aceitável. São estes os momentos que não esquecemos nunca, apesar de nunca os imaginarmos previamente. Acontece quando se reencontram personagens do nosso passado, imunes ás nossas tentativas adultas de esconder defeitos permanentes. Pessoas que conhecem aquilo que somos e sobretudo aquilo que sempre fomos. Pessoas que nunca deixam de nos amar ou odiar e que, fundamentalmente, são partes indissociáveis daquilo que somos. Sem elas seríamos somente um rasto de fumo ínfimo e desagradável, mesmo que o sejamos de qualquer forma. Não nos deixam mentir, só desculpar; não nos deixam fugir, marcam-nos mesmo inconscientemente (senão totalmente inconscientemente). A dor que provocam é involuntária, mas perene, dado nunca nos deixar esquecer as nossas falhas e segredos que achávamos enterrados. É naquele olhar confuso e desconhecedor que jaz, para nós a verdadeira essência daquilo a que nunca poderemos escapar, nós próprios. É naqueles olhos que um dia tomamos como imutáveis que vemos a nossa fragilidade humana.

A irrelevância dos nossos gostos actuais, do nosso recente percurso de vida, dos nossos actos pensados é gritante quando nos confrontamos com as imagens de um passado em que éramos aquilo de que hoje fugimos, em que éramos incompletos mas no fundo verdadeiros. Os momentos em que nos confrontamos com as amizades que julgávamos nunca terem existido e que anos de convivência tornaram imortalmente despidas de juízos morais. Tais momentos não são provocáveis, apenas vivivéis conforme nos vão aparecendo, indestrutíveis no seu cerne exactamente por serem inesperados. 

O pensamento que nos assola a mente não pode ser senão o de espanto pelo total desconhecimento de nós mesmos que cultivámos tão afincadamente sem mesmo nos apercebermos. Desejamos fugir a um passado que somos nós, que nos magoa pelo falhanço completo que constitui, pela fraqueza das nossas acções, pelo desperdício das nossas intenções, mesmo dos nossos pensamentos. Nunca o conseguiremos, muito por causa deste face a face provocado pelos momentos inesperados de viagem temporal.

Saudade

Ho voglia di scrivere in italiano. Di dire quelle cose che non arrivo mai a dire nella mia lingua, di fare sapere al mondo la mia mancanza di sicurezza. Voglio fare il poeta, voglio essere un altro, voglio su tutto essere diverso. So che nessuno mi capirà, magari perché non so cosa dico, però so che un giorno, tra un paio di anni, riderò di tanta roba che scrivo.

Vazio

Esperei por ti no chão daquela rua,
Fria e suja, sem resto de esperança.
Esperei por ti e por uma palavra só tua
Que pudesse trazer de volta aquela lembrança.

Esperei decidido a não te esquecer
Mesmo que por dentro soubesse
Que não mais te iria ter
Porque a culpa é minha e isso vê-se…

Esperei porque sei que não consigo
Senão esperar eternamente.
Porque serei sempre mais que um amigo
Serei sempre teu, inteiramente.

Dúvida

A dúvida não é gente,
Mas é mais que um pensamento;
Não interessa certamente
Se é ou não contratempo.

Será isto ou aquilo
Esta ou aquela
Por mais que possa senti-lo
O desejo nada me revela.

Então o que fazer
Se resposta não há?
A solução que posso antever?
Deixar tudo como está…

Escolha?

A indecisão é madrasta
Não responde quando peço
é angústia que se arrasta
Quando na escolha tropeço

Não sei nem quero saber
O que o futuro decida
Tanto me faz que me faça sofrer
Ou que me dê uma saída

Porque no fundo a escolha é minha
E de mais não quero saber
Que merda: mais uma cervejinha
Dá-me álcool pa beber

Da Acção

Agir consiste em transformar materialmente, ou tentar fazê-lo, uma aspiração para a qual existiu um impulso original. A esse impulso chamamos vontade, a essa transformação chamamos objectivo. Contudo, acção é o que se passa entre os dois conceitos, podendo ou não ligá-los, sem que dependa da sua existência o cumprimento do seu propósito, bastando a continuação cinética do impulso primordial.

Meia Noite

00.00 O relógio acabava de marcar meia-noite e Josh deambulava ainda pela sala de operações do Edifício das Nações Unidas em NY. Não que não fosse normal para ele trabalhar até estas horas, mas este era um dia especial. O nervosismo era evidente nas mangas constantemente repuxadas ou pelo cinzeiro a rebentar. Josh ainda não queria acreditar, pelos primeiros relatos tudo havia sido preparado há meses. Como era possível que ninguém tivesse descoberto?! Que raio andavam os serviços secretos a fazer este tempo todo?! A notícia tinha caído que nem uma bomba, agora é que ninguém estava mesmo seguro… O telefone toca, é o Presidente: Não vos posso ajudar agora Josh, o problema tornou-se vosso, não meu. Sabem perfeitamente como gosto de resolver os problemas, ninguém me ouviu até agora, tentou-se sempre a diplomacia, pois bem, a partir de agora lidem vocês com esses filhos da puta malcheirosos que nós recuamos. Se tivermos que intervir já sabem quais são as nossas condições … ou tudo, ou nada.

Entretanto, numa pequena tasca em Portugal discutia-se o que toda a gente discutia. M não tinha ainda assimilado toda a informação que a Tv debitava a uma velocidade alucinante. Já há muito que não era novidade para ele que o cenário iria um dia chegar aquele ponto, mas nunca pensou que seria tão repentino. Ainda por cima preparavam-se já para um ataque a larga escala contra a península ibérica, um dos poucos redutos europeus que não estava a sofrer por agora. Em França o plano resultara em pleno, com as bases militares a serem vencidas por dentro e muitos dos edifícios públicos já ocupados. Milhares de mortos jaziam pelas ruas vítimas dos bombistas. O caos era agora uma realidade quotidiana. Iguais resultados na Alemanha e em Itália