Momentos

A definição daquilo que somos centra-se não nos nossos actos mas nas memórias que estes provocam naqueles que nos são próximos. Esta realidade pode levar a uma de duas consequências: ou nos fazemos passar por algo que não somos e confundimos profundamente os nossos amigos; ou somos fieis á nossa personalidade. O primeiro tipo de comportamento resulta bem a curto prazo, mas só o segundo assegura uma contínua relação de conhecimento mútuo que por fim define a nossa própria personalidade. Sem uma relação de total honestidade intelectual o reconhecimento futuro dos nossos actos é reduzível a nada.

Existem momentos em que já nada é escondível, mas apenas aceitável. São estes os momentos que não esquecemos nunca, apesar de nunca os imaginarmos previamente. Acontece quando se reencontram personagens do nosso passado, imunes ás nossas tentativas adultas de esconder defeitos permanentes. Pessoas que conhecem aquilo que somos e sobretudo aquilo que sempre fomos. Pessoas que nunca deixam de nos amar ou odiar e que, fundamentalmente, são partes indissociáveis daquilo que somos. Sem elas seríamos somente um rasto de fumo ínfimo e desagradável, mesmo que o sejamos de qualquer forma. Não nos deixam mentir, só desculpar; não nos deixam fugir, marcam-nos mesmo inconscientemente (senão totalmente inconscientemente). A dor que provocam é involuntária, mas perene, dado nunca nos deixar esquecer as nossas falhas e segredos que achávamos enterrados. É naquele olhar confuso e desconhecedor que jaz, para nós a verdadeira essência daquilo a que nunca poderemos escapar, nós próprios. É naqueles olhos que um dia tomamos como imutáveis que vemos a nossa fragilidade humana.

A irrelevância dos nossos gostos actuais, do nosso recente percurso de vida, dos nossos actos pensados é gritante quando nos confrontamos com as imagens de um passado em que éramos aquilo de que hoje fugimos, em que éramos incompletos mas no fundo verdadeiros. Os momentos em que nos confrontamos com as amizades que julgávamos nunca terem existido e que anos de convivência tornaram imortalmente despidas de juízos morais. Tais momentos não são provocáveis, apenas vivivéis conforme nos vão aparecendo, indestrutíveis no seu cerne exactamente por serem inesperados. 

O pensamento que nos assola a mente não pode ser senão o de espanto pelo total desconhecimento de nós mesmos que cultivámos tão afincadamente sem mesmo nos apercebermos. Desejamos fugir a um passado que somos nós, que nos magoa pelo falhanço completo que constitui, pela fraqueza das nossas acções, pelo desperdício das nossas intenções, mesmo dos nossos pensamentos. Nunca o conseguiremos, muito por causa deste face a face provocado pelos momentos inesperados de viagem temporal.

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